sexta-feira, 8 de março de 2013



no mínimo   -  Augusto Nunes
Terça-feira, 26 de julho de 2005



A VESTAL CAIU NA VIDA

Por recomendação de parentes e amigos, o deputado João Paulo Cunha trocou os estrondos no Congresso pelos sons suaves do campo. Num sítio em São Paulo, descansa da medonha barulheira no saloon conflagrado. Longe de jornais, revistas, rádios e televisores, tenta driblar a insônia denunciada pelas olheiras de porteiro de cabaré. Recentes descobertas da CPI dos Correios incluíram o ex-presidente da Câmara no bando de beneficiários do mensalão. A queda no pântano causou-lhe escoriações generalizadas, algumas feridas e feias fraturas. A recuperação, quando possível, é dolorosa e complicada.

Até que Roberto Jefferson sacasse do coldre o tresoitão, o Brasil só conhecia o João Paulo Cunha com rosto de garotão, modos cordiais, fala mansa, gestos contidos, cada fio de cabelo em seu lugar, óculos pesados de primeiro da classe, afeito a sussurros conciliadores mas disposto a morrer em defesa da estrela vermelha (e de um país sem fome e sem pobres, claro).

O aparecimento de outro João Paulo Cunha informou ao país que o deputado paulista é uma interessante ramificação da grande família dos esquizofrênicos. Em 2003, quando assumiu a presidência da Câmara, o jovem petista já abandonara o templo das vestais para cair na vida. Logo virou concubina de malandros dolarizados. Convertido à devassidão lucrativa, tentou ficar mais dois anos no comando da casa de tolerância.

Até recentemente, a batalha para continuar na presidência, travada por João Paulo com singular ferocidade, era atribuída ao desejo, muito natural, de conservar um ótimo emprego. O cargo transforma seu ocupante no número 3 da linha sucessória, depois do presidente da República e do vice. Tampouco pareciam inspiradas em motivações infames as reações daquele homem habitualmente sereno quando confrontado com denúncias que pioravam a imagem da Câmara. Tamanha indignação talvez traduzisse o enorme apreço pela instituição que representava. Agora se sabe que a essas razões se sobrepunham objetivos nada edificantes.

Ele temia que alguma acusação, desdobrada em investigações rigorosas, acabasse devassando os porões que freqüentava. Se continuasse na presidência, teria boas chances de assassiná-las no berço, como fez em setembro de 2004. Na primeira página, o JB denunciou a existência do mensalão. João Paulo revidou de imediato: era uma notícia falsa, uma fantasia irresponsável. Em seguida, comunicou à nação que, para eliminar possíveis dúvidas, a história seria examinada por uma comissão de sindicância. O júri improvisado não demorou duas horas para inocentar os pais da pátria, condenar os acusadores e engavetar o assunto. Ponto final.

Ponto e vírgula, na visão de João Paulo. Para o bravo advogado de excelências de todos os partidos, a ofensa merecia castigo duro. Além de requerer à Justiça o direito de resposta, patrocinou um processo criminal contra o JB. Só desistiu da ação depois de publicado o artigo que alternava lições de ética e reprimendas a jornalistas abusados. Na semana passada, em vez de textos farisaicos, o ex-presidente da Câmara redigiu uma carta de renúncia. Não consumou o gesto extremo. Em busca da paz perdida, partiu para o sítio.

Enquanto conta carneiros para apressar o sono, a CPI dos Correios conta donativos entregues ao deputado pela dupla Valério e Delúbio. Os R$ 50 mil retirados pela mulher de João Paulo são, no jargão do pistoleiro Bob Jefferson, mera peteca. Há notáveis boladas à espera dos investigadores, resultantes da harmoniosa parceria formada pelo deputado e pelo inacreditável Marcos Valério.

Essa bonita amizade nasceu em 2002, com a escolha de Marcos Valério para cuidar da campanha de João Paulo em Osasco. O noivado foi celebrado quando João Paulo, candidato único à presidência da Câmara, achou necessário contratar um publicitário para ajudá-lo a vencer concorrentes imaginários.

O casamento chegou com a licitação que fez de Marcos Valério o responsável pela imagem da Câmara. O homem da mala preferiu tratar dos bolsos dos parlamentares. Coberto de lama pelo escândalo do mensalão, o Legislativo hoje parece tão confiável quanto os prédios de farinha do demolidor Sérgio Naya.

“Não vou cair sozinho”, ameaçou João Paulo antes de seguir para o mundo rural. Pode esquecer o medo da solidão. Quando a casa desabar, ele verá muitos amigos por perto. Todos buscando alguma saída no meio dos escombros.    
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 Artigo de Augusto Nunes publicado em No Mínimo

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