sábado, 4 de setembro de 2010

Miss Espelho

A MULHER QUE NÃO FOI MISS

Ela abriu o jornal. Ficou olhando longamente o retrato bonito.
Leu depois a legenda, uma preciosa coleção de adjetivos lisongeiros.

E parou abstraida, moendo o seu monólogo interior e ingenuo,
que poderia ser um diálogo:
- Amigo espelho, responde: Quem é a mais bela do mundo?
O espelho naturalmente, respondeu num madrigal polido como sua face de cristal.
Os espelhos sempre foram criaturas muito bem-educadas.
Ela, porém, insistiu:
Quem sabe era bondade?... E o espelho cavalheiríssimo:
-- Perdão! Eu sou o mais sincero dos seus admiradores, minha linda senhora.
Nunca me encerro em atitudes dubias, nem uso a capa convencional da gentileza,
quando falo. Sou transparente.
Sou "un coeur mis à nu". Tenho o defeito, às vezes, de dizer o que penso.
Sem pensar, nem de leve, na minha infalibilidade.
Mas você é bonita, francamente. Seus olhos têm uma
expressão diluente de sonho e a sua boca é uma flor.
Nunca vi dentes tão perfeitos como os seus. Nem pele tão fresca.
Sua cabeça é esquisita: Ondas bravias, cheias do Sol do meio-dia.
E o corpo modelado como um vaso grego: Os dois frutos do seio...
As pernas... E o caimento harmonioso dessa linha. Você, querida,
é uma obra-prima.
Ela sorriu, mulhermente. E sem convicção:
- Meu espelho poeta. Você manga comigo.
Você é demasiadamente camarada, meu caro.
Se fosse mesmo assim, se me servissem todas estas metáforas,
por que não poderia eu ser "miss" qualquer coisa, ter o meu retrato
estampado no jornal com uma manchete lisongeira?
E o espelho, galanteando:
-- Você é "miss", certamente! Você é a "miss espelho". E tem o seu retrato e a
manchete de lisonjas, aqui em mim,
no meu coração de vidro que pertence a você, meu lindo e ingenuo amor.

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Gracias. CDarte

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

O Suave Milagre

O SUAVE MILAGRE
(Eça de Queirós)

Ora entre os povoados de Enganim e Cesareia, num casebre sumido na curva de uma colina vivia uma viúva, a mais desgraçada mulher que todas as mulheres de Israel. O seu filhinho único, todo aleijado, passara do magro peito a que ela o criara para os farrapos da cama de palha apodrecida, onde ficara, durante sete anos, secando e gemendo. Também a ela a doença a secara dentro dos trapos nunca mudados, mais escura e torcida que um galho de videira arrancada. E, sobre ambos, espessamente a miséria cresceu como o bolor sobre cacos perdidos num ermo. Até na lamparina de barro vermelho secara há muito o óleo. Dentro da arca não havia nenhum grão de arroz ou pão duro. No cercado, sem pasto, a cabra morrera. No quintal, secara a figueira. Tão longe do povoado, nunca esmola de pão ou mel alguém levava. E só ervas apanhadas nas fendas das rochas, cozidas sem sal, nutriam aquelas criaturas de Deus na Terra Escolhida, onde até às aves de rapina faltava o que comer.

Um dia um mendigo entrou no casebre, repartiu do seu farnel com a mãe amargurada e um momento sentado na pedra da lareira, coçando as feridas das pernas, contou dessa grande esperança dos tristes, esse Rabi que aparecera na Galileia, que de um pão no mesmo cesto fazia sete, e amava todas as criancinhas, e enxugava todos os prantos, e prometia aos pobres um grande e luminoso reino, de abundância maior que a corte do rei Salomão. A mulher escutava com olhos famintos. E esse doce Rabi, esperança dos tristes, onde se encontrava? O mendigo suspirou. Ah, esse doce Rabi! Quantos o desejavam, que se desesperançavam! A sua fama andava por sobre toda a Judeia como o Sol que até por qualquer velho muro se estende e se goza; mas para enxergar a claridade do seu rosto, só aqueles ditosos que o seu desejo escolhia.
A tarde caía. O mendigo apanhou o seu bordão, desceu pela dura trilha, entre as rochas. A mãe retomou o seu canto, mais vergada, mais abandonada. E então o filhinho, num murmúrio mais débil que o roçar duma asa, pediu à mãe que lhe trouxesse esse Rabi, que amava as criancinhas ainda as mais pobres, sarava os males ainda os mais antigos. A mãe abraçou a cabeça desgrenhada:

- Oh filho! e como queres que te deixe, e me lance pelos caminhos, à procura do Rabi da Galileia? Jesus anda por muito longe e a nossa dor mora conosco, dentro destas paredes, e dentro delas nos prende. E mesmo que o encontrasse, como convenceria eu o Rabi tão desejado, por quem ricos e fortes suspiram, a que descesse através das cidades até aqui, tão deserto, para sarar um entrevadinho tão pobre, sobre esta cama tão rota?

A criança, com duas lágrimas na face magrinha, murmurou:

- Oh, mãe, Jesus ama todos os pequeninos. E eu ainda tão pequeno, e com um mal tão pesado, e que tanto queria sarar!

- Oh, meu filho, como te posso deixar? Longas são as estradas da Galileia, e curta a piedade dos homens. Tão esfarrapada, tão trôpega, tão triste, até os cães me ladrariam da porta das pessoas. Ninguém atenderia o meu chamado, e nem me informaria a morada do doce Rabi. Oh filho! talvez Jesus morresse... Nem mesmo os ricos e os fortes o encontram. O céu o trouxe, o céu o levou. E com ele para sempre morreu a esperança dos tristes.

De entre os negros trapos, erguendo as suas pobres mãozinhas que tremiam, a criança murmurou:

- Mãe, eu queria ver Jesus...

E logo, abrindo devagar a porta e sorrindo Jesus disse à criança:

- Aqui estou.


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